12 maio A falta de água em São Paulo tem solução?
Especialistas avaliam as possíveis maneiras para sair da crise e evitar que ela se repita no futuro
A capacidade do Sistema Cantareira, reservatório que atende 9,8 milhões de paulistas – 8,4 milhões só na capital –, chegou a apenas um dígito pela primeira vez na história na última sexta-feira: 9,2%, segundo a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Um ano atrás, na mesma data, cerca de 60% do volume do sistema estava disponível. Para evitar a falta de água, a Sabesp iniciou, em março, obras que permitem a captação do chamado volume morto, porção de água que fica no fundo do reservatório, abaixo dos tubos que tiram a água e enviam para as estações de tratamento. Dezessete bombas de captação foram instaladas em março, a um custo de 80 milhões de reais, e, a partir de 15 de maio — segundo a Sabesp —, 200 dos 400 bilhões de litros que compõem o volume morto estarão disponíveis para uso.
A expectativa é que a água do volume morto garanta o abastecimento das regiões de São Paulo que dependem do Cantareira até outubro, quando inicia a estação de chuvas, e o nível do reservatório começa a subir. Para o plano dar certo, é preciso que o próximo verão seja diferente do último. Enquanto a média histórica de chuvas sobre o Sistema Cantareira é de 226,8 milímetros em dezembro, 259,9 em janeiro e 202,6 em fevereiro, em 2014 os valores registrados foram de 62,9 milímetros, 87,8 e 73,0, respectivamente. A queda abrupta, segundo Alexandre Nascimento, meteorologista da Climatempo, ocorreu devido a uma massa de ar seco na região durante o verão, que impediu a chegada de frentes frias vindas da América do Sul. “A previsão para a virada de 2014 para 2015 é de chuvas dentro da média. Se isso se concretizar, a situação do Sistema Cantareira deve se estabilizar novamente em 2016”, afirma.
O governador do Estado, Geraldo Alckmin, anunciou para este semestre a aplicação de multas para quem aumentasse o consumo de água. Se aprovada, a medida vai se somar ao desconto de 30% para quem economizar ao menos 20%, em vigência desde fevereiro. “A razão desta situação em que São Paulo se encontra é a falta de planejamento”, afirma Ivanildo Hespanhol, diretor do Centro Internacional de Referência em Reúso de Água (Cirra), da Universidade de São Paulo. Para ele, a forma como o Estado lida com o problema de abastecimento hídrico é atrasada. “Nós continuamos fazendo a mesma coisa que os romanos há 2.000 anos: trazendo a água de cada vez mais longe”, critica.
Especialistas ouvidos pelo site de VEJA concordam que não existe uma saída única e rápida para o problema hídrico da metrópole. Ações que ajudam a evitar crises futuras demandam tempo e investimento, não apenas do governo, mas da sociedade como um todo. Confira a seguir análises sobre diversas possibilidades — algumas mais viáveis que outras — de soluções a curto e longo prazo para o abastecimento de São Paulo.
Rodízio de água — A possibilidade de um rodízio do abastecimento de água tem sido descartada pelas autoridades. Na visão dos especialistas, porém, caso a torneira seque antes que a água do volume morto entre no cano ou a água extraída dele não seja suficiente para abastecer a região até que as chuvas encham o reservatório novamente, a medida pode ser inevitável. Para Ivanildo Hespanhol, o rodízio deve ser realmente a última alternativa, porque prejudica a qualidade da água. Quando o abastecimento de uma tubulação é interrompido, a água continua sendo utilizada pela população até que o tubo se esvazie completamente. Esse mecanismo gera uma pressão negativa, que cria sucção dentro do tubo. “Como a rede apresenta trincas e vazamentos, acaba aspirando a carga poluidora do solo. Quando a água volta a percorrer esse túnel, leva as impurezas junto com ela”, explica.
Redução da perda de água tratada — A perda de água tratada em São Paulo está em torno de 25%. Apesar de ser melhor do que a média brasileira — cerca de 40% — o índice ainda é considerado bem longe do ideal. Parte dessa perda se deve a vazamentos de tubulação, que muitas vezes acumulam décadas de uso, prejudicando o sistema. Um levantamento feito pela Sabesp mostrou que metade do sistema de abastecimento que atende bairros como Perdizes (Zona Oeste), Moema (Zona Sul), Tatuapé (Zona Leste) e Sé (Centro) tem mais de trinta anos de uso. Segundo especialistas, a tubulação de algumas regiões chega a sessenta anos. “O índice de perda tem que baixar para aproximadamente 10%, um desperdício dentro dos parâmetros internacionais”, afirma João Luiz Brandão, professor do Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos da USP (EESC-USP).
O custo de localizar e reparar a rede é alto — é necessário quebrar o asfalto, interromper a circulação de veículos, trocar a tubulação e tapar o asfalto de novo —, de modo que sempre foi mais barato e fácil buscar água em outra fonte e continuar com os vazamentos. “Mas chegamos a um ponto em que não tem de onde trazer água. A alternativa mais barata não está mais disponível”, afirma Antônio Carlos Zuffo, professor da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Mudança de hábitos culturais — Pensar que São Paulo é uma região com grande disponibilidade de recursos hídricos é um erro comum entre seus habitantes. Apesar de o Brasil deter 12% das reservas de água doce do planeta, a maior parte desses recursos encontra-se na região Norte do país. “A primeira coisa que a gente tem que fazer para reduzir o consumo de água é mudar a nossa cultura de abundância”, afirma Hespanhol. E também é um equívoco acreditar que os grandes “ladrões” de água são a indústria ou a agricultura. “A parte de água de nossos reservatórios destinada à agricultura é irrelevante, apenas 3%. Para a indústria, vão outros 17% e os 80% restantes são de uso urbano”, diz José Carlos Mierzwa, professor do departamento de engenharia hidráulica e sanitária da Escola Politécnica da USP.
Por isso, o primeiro passo para a economia de água é a educação ambiental. Devem ser incentivados comportamentos simples, como tomar banhos mais rápidos e não lavar carros e calçadas com mangueiras. Outra iniciativa é trocar equipamentos hidráulicos nas residências por aqueles que consomem menos água — vasos sanitários são grandes vilões no consumo de água doméstico. As privadas mais antigas foram projetadas para eliminar 20 litros de água cada vez que a descarga é acionada. “Desde 1982, uma norma brasileira recomenda que os vasos usem apenas 6 litros. Hoje, praticamente só são comercializados vasos com o volume reduzido, mas existem prédios anteriores com o equipamento velho”, diz o professor.
Despoluição dos rios Tietê e Pinheiros — Despoluir e utilizar as águas desses dois rios da região metropolitana não é, até o momento, uma opção considerada viável pelos especialistas. “Hoje não vejo como utilizar o Tietê e o Pinheiros. Além da qualidade da água ser ruim, os rios recebem muita poluição difusa, aquela que é carregada pela chuva que ‘lava’ a cidade, contendo às vezes poluentes altamente tóxicos”, afirma João Luiz Brandão. Já existe, porém, o Sistema Alto Tietê, que capta água perto da cabeceira do rio, com melhor qualidade, que abastece a zona Leste de São Paulo e municípios como Mogi das Cruzes, Poá e Suzano.
Fonte: Veja