Gerenciador assume papel de salvador

Gerenciador assume papel de salvador

As dores do crescimento acelerado do mercado imobiliário chegaram ao coração da construção civil – as obras. Há um problema, quase generalizado, de estouro de prazos e, em muitos casos, de orçamento. Tudo isso porque o cérebro também padece. A falta de engenheiros seniores nos canteiros, que tiveram de assumir posições mais estratégicas, promoveram a ascensão de recém-formados para a coordenação das obras. Só nos últimos dois anos, o volume de obras foi multiplicado por seis vezes. O efeito colateral desse aumento quase exponencial do setor e dos seus desafios é a procura pelo gerenciador de obras, uma espécie de auditor da construção civil.

Com a entrada maciça no setor imobiliário de investidores com perfil financeiro, como fundos imobiliários, fundos de pensão e fundos de private equity – tanto nacionais, quanto estrangeiros – houve um aumento da procura por esse tipo de serviço. “Se estourar prazo e custo, há uma redução na margem dos fundos”, diz Roberto de Souza, sócio da CTE, empresa de gerenciamento de obras e consultoria, que cresce a uma taxa de 40% ao ano desde 2007. “Os investidores estão preocupados em minimizar os riscos técnicos”, acrescenta. O desembolso de caixa fora do planejado é considerado muito sério.

Segundo Hernani Varella Júnior, da Tallento Engenharia, que já gerenciou 130 empreendimentos, os investidores – especialmente os estrangeiros – sentem falta de uma auditoria financeira, transparência dos números e índices que permitam medir a eficiência (ou não) do projeto.

Quem também contrata o gerenciador de obra são as próprias incorporadoras – que nem sempre atuam como construtoras. Tanto as companhias que terceirizam o serviço, quanto as que têm as próprias construtoras, mas fecham parcerias com companhias locais para atuar fora de São Paulo, começam a procurar o gerenciamento de obras. “Conhecer as regionalidades é importante e faz diferença: em Belém, por exemplo, chove de três a quatro meses por ano”, diz Varella. “Tudo isso impacta os prazos e custos.”

Varella mostra uma tabela de várias obras, com controle de orçamento, prazo e qualidade. Na coluna de prazos, 90% aparecem com um sinal vermelho. No resto, uma mescla de bolinhas amarelas e verdes. “Obra é como maratona, o começo é difícil, mas depois vai mais fácil”, diz. “Mas, se parar no meio, precisa voltar ao zero, porque perdeu a equipe que já estava treinada e afinada”, explica. Nos cálculos de Varella, um mês de obra parada exige dois a três meses para retomar.

Além do controle de custos – que sempre foi o foco desse tipo de trabalho – agora a atenção voltou-se para o atraso e a qualidade, que também começa a se tornar um problema sério. Segundo um executivo do setor, a maioria das incorporadoras não poupa esforços para vender, porque venda é receita. “Mas obra é vista como custo e tudo o que está ligado a custos precisa ser cortado, acreditam algumas empresas”, diz. E isso acaba tendo reflexos nos atrasos e na qualidade.

Na sua opinião, a demora na entrega dos imóveis não está na falta de materiais. Não há problema de fornecimento, garante. Mão de obra, sim, é problema, mas não chega a ponto de atrasar uma entrega nas proporções que estão sendo vistas. Durante a crise, faltou dinheiro, e os recursos provenientes das vendas foram usados para outros fins – que não a própria obra. Agora, esses empreendimentos, que demoraram mais de um ano para sair do chão, estão no auge do atraso. E tempo perdido não volta.

O ponto principal está na falta de mão de obra especializada. As empresas entraram numa nova escala de obras e não há formação de engenheiros civis na mesma proporção. “Os engenheiros experientes foram para a diretoria e coordenação”, diz Roberto de Souza. Os engenheiros juniores, recém-formados e com pouca experiência, acabaram assumindo as obras. Começam como estagiários e, assim que se formam, já coordenam uma obra – algo que antes só acontecia depois de cinco a dez anos de experiência. O problema é que os projetos hoje são muito maiores e mais complexos, erguidos em terrenos grandes e com várias torres.

“Apontar o problema é muito simples, mas tem de trazer soluções”, diz Eduardo Zaidan, diretor do SindusCon. “Gerenciador nenhum consegue recuperar obra atrasada”, diz. Por isso, conta Zaidan, o importante é que o serviço seja contratado na fase do projeto. Na sua avaliação, trata-se de um serviço importante por trazer uma visão diferente para o canteiro e, como exige prestação de contas, faz com que a equipe trabalhe mais vigilante.

As próprias gerenciadoras concordam que o trabalho deve começar do projeto. Entre as soluções apontadas no meio do caminho, dizem, estão a redução de desperdício e do chamado retrabalho, além da compra de materiais de construção importados e do treinamento da mão de obra. “Fomos à China cadastrar fornecedores, como cerâmica, porcelanato, pastilha de fachada e esquadrias”, conta Varella, da Tallento. Já houve casos de importação de aço do Leste Europeu.

Fonte: http://www.valoronline.com.br/impresso/cte/56103/348211/gerenciador-assume-papel-de-salvador