04 nov Qual a cidade que você quer?
Esse texto foi para a coluna do Simplificando na última edição da revista Yacht. Apesar de falar especificamente de Salvador, acho que a carapuça vale para muitas cidades desse Brasil varonil.
Quando pensamos em uma cidade desenvolvida, daquelas que daria gosto de viver, logo lembramos de metrópoles europeias, com pessoas caminhando nas ruas, andando de bicicletas, sentadas em cafés nas calçadas e aproveitando os espaços públicos limpos e arborizados. De volta à nossa realidade soteropolitana, tudo parece muito distante disso, como se vivêssemos em mundos diferentes. O curioso é que, apesar de desejarmos essa vida para a gente, somos descrentes da nossa própria capacidade ou merecimento de vivermos em uma cidade assim.
Recentemente, uma série de iniciativas visando a melhoria de Salvador começou a ser implantada em diversos setores da cidades. De compartilhamento de bicicletas, passando por recuperação de canteiros públicos, até movimentos como Salvador Meu Amor e Salvador – Viva, Ame, Cuide, dentre outros. Diferentes focos, diferentes frentes de ação, diferentes organizações, mas uma só vontade: transformar Salvador em uma cidade melhor para se viver.
Seriam todas iniciativas brilhantes, se não fosse por um detalhe: junto com elas, veio também uma enxurrada de reações um tanto descrentes e até agressivas dos soteropolitanos. Bastava navegar um pouco pelas redes sociais ou conversar com um grupo de amigos e familiares para perceber que, mais do que vontade de viver em uma cidade melhor, existe aqui uma vontade enorme de falar mal de nós mesmos. Independente do tema, os comentários invariavelmente passam pelo “mas o baiano é mal educado mesmo, já já está tudo quebrado”, ou “a ideia é até boa, mas está vendo que isso não vai certo?”, e ainda “esse povo está achando que isso aqui é Europa?!”.
Tudo isso levanta uma questão muito séria: qual a Salvador que nós queremos? E mais ainda: o que estamos dispostos a fazer para construir essa cidade? Sim, somos uma capital feita para os carros, e não para as pessoas, onde espaços públicos são transformados em estacionamentos e vias expressas recebem mais investimentos que espaços para as pessoas. Somos, sim, uma cidade para turista ver (e olhe lá!) e locais sagrados estão esquecidos e abandonados por nossas autoridades. Somos um povo mal educado para muitas coisas e ainda precisamos enraizar na nossa cultura noções muito básicas de cidadania, como não jogar lixo pela janela ou parar na faixa para o pedestre atravessar a rua.
Porém, mais importante do que o que somos hoje, é o que queremos ser amanhã. As oportunidades estão aí e a escolha é nossa: ou nos apoderamos da nossa cidade e fazemos a nossa parte para transformá-la em uma daquelas lá do primeiro parágrafo ou nos sentamos de braços cruzados e cara amargurada e reclamamos como nada disso nunca vai dar certo por aqui. O que você escolhe?)
Fonte: Eco Desenvolvimento