Selo da ISO permitirá vigiar o consumo

Selo da ISO permitirá vigiar o consumo

Por Rosangela Capozoli | Para o Valor, de São Paulo

O consumidor que, na hora da compra, observa a data de validade e a composição do produto terá um novo indicador para influenciar sua escolha. Trata-se do certificado ISO 14046, que, estampado no rótulo, garantirá que o fabricante adota padrões razoáveis de economia no consumo de água, agregando valor ao negócio. O nível de consumo é observado em toda cadeia produtiva – da extração de matéria-prima até o uso final pelo consumidor. Na fabricação de um quilo de café torrado, por exemplo, são consumidos 21 mil litros de água.

O selo da norma ISO também identifica se o produto obedeceu aos padrões de qualificar os processos de reutilização de águas industriais. A criação desse certificado, que será obrigatório a partir de 2013 e 2014, segue a tendência mundial de promover a forma mais racional possível de utilizar os recursos hídricos. Para esse método de gestão que mede a utilização de água nas atividades humanas e na produção de bens e serviços criou-se o termo “pegada hídrica”.

Segundo o professor Eduardo Mario Mediondo, do departamento de Hidráulica e Saneamento da USP São Carlos, a “pegada hídrica” do Brasil está próxima do valor médio global. “Aqui, o consumo anual é de 1.340 m3 por pessoa, enquanto o a média de consumo mundial é de 1.350 m3 “, afirma. As projeções mundiais, no entanto, apontam que nos próximos 20 anos o volume per capita deverá crescer entre 10% e 20%, acompanhando o incremento da demanda por bens de consumo e serviços. À medida que o Produto Interno Bruto dos países cresce, há aumento de renda e com isso eleva-se o consumo de água.

“No atual ritmo de crescimento, em 2050 haverá uma escassez gravíssima, mesmo nas regiões onde hoje a água é abundante”, completa. O professor da USP defende que programas de incentivos direcionados ao uso racional da água cresça na mesma proporção. “Caso contrário, teremos uma sociedade insustentável no quesito pegada hídrica”, explica.

O conceito começa a ser trabalhado por empresas, inclusive do Brasil, conscientes das ameaças que a falta de água significará para o planeta. O cálculo do consumo ajuda as empresas a controlar melhor seus gastos e fazer análises sociais, econômicas e ambientais de seus negócios. “Hoje se percebe avanços significativos no setor industrial na questão de reúso de água, redução de vazamento, promoção de eficiência no sistema, mas ainda limitados aos muros da fábrica”, acrescenta Samuel Barreto, biólogo e coordenador do Programa Água para a Vida da WWF-Brasil. Para o biólogo, o principal objetivo é o avanço na metodologia de olhar para o recurso água no seu ciclo. “Hoje o foco da pegada hídrica não está voltado apenas para a água azul – aquela dos rios e lagos –, mas também engloba a água da chuva, fato que não era considerado nas gestões anteriormente”, diz.

A Gerdau, líder na produção de aços longos nas Américas e uma das maiores fornecedoras de aços longos especiais no mundo, possui atualmente um índice médio de recirculação de água superior a 97% em suas usinas produtoras de aço em todos os países onde atua. “Em 2011, a empresa tratou e reutilizou cerca de 2 bilhões de metros cúbicos. Em média, a Gerdau utiliza 3,8 metros cúbicos de água por tonelada de aço produzido e praticamente reaproveita todo recurso hídrico no seu processo industrial, segundo números fornecidos pela siderúrgica.

De acordo com a empresa, um projeto de balanço hídrico, iniciado em 2010, prevê a redução de 10% do volume de água captado para a produção do aço em suas plantas industriais. O estudo envolve mais de 50 especialistas de meio ambiente em todo o mundo e deverá ser concluído até 2015. A intenção da siderúrgica é antecipar-se ao lançamento do “ISO Water Footprint”, uma nova certificação que será lançada no mercado com o intuito de qualificar os processos de reutilização de águas industriais.

Barreto, da WWF, compara a função da pegada hídrica a um exame de sangue. “O resultado não cura a doença, mas aponta o que se deve fazer caso haja um problema”, explica. Apesar de o Brasil ser o país mais rico do mundo em água, a distribuição não é uniforme em todo território. A maior parte da água (70%) está na Amazônia, onde vive 20% da população brasileira. “As regiões Sul, Sudeste e Nordeste, por sua vez, embora concentrem mais de 120 milhões de brasileiros, possui apenas 15% da água”, diz. Há várias regiões metropolitanas enfrentando problemas críticos de água ou cenários preocupantes com relação a disponibilidade do recurso”, diz o biólogo da WWF.

Na região metropolitana de São Paulo, por exemplo, a produção de água é praticamente do tamanho da demanda. “É um sistema de alto risco, pois não há folga, além do que a região depende de água de outra bacia hidrográfica, já que 50% do volume consumido é proveniente da Bacia do Piracicaba”, resume.

Para o biólogo, como se trata de um bem público, o recurso deveria ser gerenciado por uma agenda compartilhada entre governo, empresas e sociedade. De acordo com Barreto, a Agência Nacional de Águas (ANA) tem mostrado interesse em desenvolver políticas públicas.

Tanto o professor da USP como o coordenador do Programa Água para a Vida concordam que o Brasil tem uma das legislações e políticas das mais avançadas em termos de gestão de recursos hídricos do mundo. O Brasil é um dos poucos países que tem Plano Nacional de Recursos Hídricos. “Isso é muito importante porque ajuda a estabelecer critérios para promover a gestão de recursos hídricos e governança da água, mas deve haver aprimoramento. A questão da pegada hídrica é uma delas”, diz o biólogo. Mediondo cita o Programa Produtor de Água fomentado pela ANA e o Programa Mina de Água ministrado pelo Governo do Estado de São Paulo como bons exemplos para se aperfeiçoar os métodos de gestão.

Fonte: Valor online